A partir de outubro, rodoviários de Niterói e diversas cidades do Rio de Janeiro se reunirão em uma série de assembleias para a abertura da campanha salarial da categoria para 2023/24, em um momento de grave instabilidade financeira do setor de transportes de passageiros e incertezas quanto ao futuro do sistema de ônibus.
Nos encontros, os trabalhadores definirão a pauta de reivindicações, que será apresentada aos patrões, cuja base é a reposição inflacionária dos últimos 12 meses anteriores à data-base, que é em 1º de novembro, mais um percentual de aumento real, conforme definido pelas assembleias de 2022.
As assembleias, convocadas pelo Sindicato dos Rodoviários de Niterói a Arraial do Cabo (Sintronac) para os dias 2, 3 e 4, ocorrerão em Niterói, São Gonçalo, Itaboraí, Casimiro de Abreu, Maricá, Rio das Ostras, Silva Jardim e Tanguá.
Há uma forte insatisfação entre os trabalhadores pela não reposição das perdas salariais durante os anos de pandemia de Covid-19, que, após intensas negociações do sindicato com os patrões, foram reduzidas a 5% em 2022.
“Há anos avisamos que o sistema de ônibus entraria em colapso e precisava sofrer alterações drásticas. A pandemia acelerou isso e revelou o detalhe mais perverso de toda essa equação desastrosa: a população e os trabalhadores são os que mais sofrem com o desastre dos transportes, a primeira por pagar caro sem ter o serviço que merece e, o segundo, por amargar perdas salariais, que, nas condições atuais, só serão repostas se houver uma intervenção significativa do poder público. Caso isso não ocorra, não haverá alternativa para os trabalhadores a não ser uma mobilização sem precedentes em nossa história, que poderá, se a categoria entender como legítima, chegar a uma greve, piorando ainda mais o problema. Os rodoviários já se sacrificaram muito e não estão mais dispostos a isso”, alerta Rubens dos Santos Oliveira, presidente do Sintronac.
Ele avalia que o transporte público foi um dos setores da economia mais penalizado pela ausência de políticas governamentais, que deveriam, por dever constitucional, ter sido implementadas para garantir a sustentação e o desenvolvimento do sistema, assegurando à população um serviço de excelência, a baixo custo ou mesmo a custo zero, e a milhares de trabalhadores do setor empregos e salários dignos.
“Há iniciativas em nossa base territorial para garantir esse direito constitucional à população, como é o caso de Maricá, que adotou o sistema de tarifa zero, com o custo totalmente subsidiado, e de Niterói, que pretende estabelecer um subsídio sobre o valor das passagens. No entanto, no primeiro, o número de ônibus em circulação está se revelando insuficiente para atender às demandas dos usuários, que esperam até 50 minutos nos pontos, em alguns casos. No segundo, o subsídio será fixado sobre uma tarifa, que até reduzirá o custo para os passageiros, mas para os trabalhadores e para as próprias empresas será trocar seis por meia dúzia, pois a arrecadação final não irá cobrir as perdas salariais, assim como o custo operacional das companhias”, afirma o presidente do Sintronac.
O transporte por ônibus em Niterói vive dias decisivos. Um projeto de lei, de número 106/2023, enviado pela Prefeitura, está travado na Câmara de Vereadores. A medida visa estabelecer um subsídio de até 30% sobre o valor das passagens municipais, hoje fixado em R$ 4,45. A adoção do auxílio foi baseada em estudo encomendado pela municipalidade à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) para estabelecer o “reequilíbrio econômico-financeiro” do setor de transportes na cidade.
Os pesquisadores da UFRJ registraram uma queda de 15% no fluxo de passageiros de ônibus em Niterói entre 2019 e 2022 e, no relatório conclusivo, anexado ao PL 106/2023, recomendaram o estabelecimento do subsídio das passagens.
No entanto, além de não fixarem um valor ideal para as passagens atualmente, desconsideraram, no estudo, os contratos firmados entre os dois consórcios, Transnit e Transoceânico, que operam na cidade com a Prefeitura, que determinam que haja um revezamento nos percentuais de reajuste anuais sobre o valor das passagens: em um ano é baseado no índice do IPCA, ou seja, a reposição da inflação dos últimos 12 meses; e, subsequentemente, no outro, recompõe as despesas operacionais das empresas com reajustes salariais dos rodoviários, aumento do óleo diesel (só em 2022 foi de 80%), reposição e manutenção da frota, entre outros gastos.
“Os empresários asseguram que os reajustes tarifários dos últimos anos, sem considerar os três anos que ficaram sem aumento, têm sido baseados apenas no IPCA, com as despesas setoriais sendo ignoradas. O estudo da UFRJ também não considerou nossa proposta de reposição inflacionária dos salários, mais o percentual de aumento real. Ou seja, os trabalhadores foram ignorados na equação final, que formulou o PL 106/2023. Uma coisa é a tarifa social, o preço a ser pago pelo usuário, outra é a tarifa técnica, que contempla a recuperação das despesas com os custos operacionais das empresas, inclusive os salários dos rodoviários. Afinal, qual seria o valor ideal e real das passagens hoje, dentro dos padrões de uma tarifa técnica, com os parâmetros necessários para se estabelecer subsídios para formular uma tarifa social? Simplesmente, não sabemos. Enquanto isso, o setor míngua e a população e os rodoviários ficam desassistidos. Isso é um caldeirão que vai explodir em novembro, na nossa data-base. E vale para todos os municípios de nossa base”, afirma Oliveira.
As empresas tentam, na Justiça, recuperar suas perdas. Em 3 de outubro, está marcada, na 7ª Vara Cível de Niterói, uma nova audiência de conciliação em processo movido pelos consórcios de ônibus contra a Prefeitura pela falta de pagamento das gratuidades e pelo estabelecimento de uma tarifa técnica, reajustada conforme previsto nos contratos firmados com a municipalidade.
“Sem o estabelecimento de uma tarifa técnica, teremos sérios problemas em nossa negociação salarial. Uma coisa reflete na outra”, conclui o presidente do Sintronac.